terça-feira, 10 de julho de 2007
EU INVENTEI DE SEGUIR A MULHER - outro pequeno conto
Eu inventei de seguir a mulher. Eu tava de bobeira e inventei de seguir a mulher. Não que eu seja tarado. Mas não tinha nada pra fazer e pensei que ela ia ficar muito assustada. Eu não tinha que seguir a mulher, mas eu segui. Achei que seria no mínimo engraçado me fingir de maníaco que segue alguém. Fiz uma cara de quem está muito afim de sacanear alguém e fiquei seguindo ela desde que desceu do ônibus. Enterrei o gorro na cabeça, meti as duas mãos nos bolsos e segui a mulher. Ora me aproxima, ora deixava ela se distanciar um pouco. Respirava alto como imaginava que era a respiração de um tarado e falava bem baixinho as coisas mais escrotas que eu conseguia imaginar. Só dizia merda. Só pensava merda. Quanto mais merda eu falava mais merda eu tinha pra dizer. Ela apressou o passo. Pronto. Desconfiou. Sentiu que eu era perigoso e que tava querendo aprontar pra cima dela. Olhou pra trás de canto de olho pra verificar não sei o quê, como se adiantasse dar uma olhada rápida pra contabilizar as chances de escapar. Ela tava fudida. Tava escuro pra caralho. Frio pra caralho. Não tinha um puto na rua. Tava todo mundo socado nas suas casas vendo uma merda de programa de televisão qualquer. Comecei a me sentir mais perigoso. Comecei a gostar da sacanagem. Ela estava cada vez com mais medo de mim. Caralho, nunca imaginei alguém com medo de mim. Na real, eu é que sempre tive medo dos outros. Eu que me sentia sempre por baixo. Sempre com medo de apanhar. De levar mijada. De levar um pé na bunda. E agora aquela vagabunda, bunda grande, tava ficando apavorada comigo. Só com a minha presença. Com a minha respiração de tarado. A mulher não era grande. Só a bunda dela é que era grande. Ela era média. Gostosinha. Não vi a cara dela, mas olhando assim, de trás, parecia uma putinha indo pra casa depois de sair do trabalho de balconista ou qualquer outra merda e ter se encontrado com o namorado guri de xerox e se esfregado bastante com ele até ficar com a buceta molhada... Vagabunda... tu merecia morrer, sua puta, filha duma puta, bunduda... tu deve ter uma buceta boa de meter o cacete bem duro... eu vou te pegar piranha e vou te fuder essa buceta e esbagaçar o teu cú sujo e fedorento... E eu tava pensando essas coisas e falando uns troços assim e cada vez mais gostando do meu personagem, cada vez mais me sentindo, me achando, e ela andando bem rápido quase correndo devagar, quando surgiu um cara correndo com um baita dum berro na mão esquerda e parou na frente da mulher e disse gritando e chorando com uma cara de louco desesperado: “já que tu não quer ser minha, Valquíria, tu não vai ser de mais ninguém” e deu três tiros à queima-roupa na cara da Valquíria e em seguida olhou pra mim e perguntou desvairado: “tu que é o novo cara dela? Tu que roubou a Valquíria de mim? Filho da puta...” e atirou duas vezes. Eu caí sobre meus joelhos e fiquei ali, no meio da calçada, ajoelhado, tentando perceber onde ele tinha acertado, onde doía e de onde saía tanto sangue, vi quando ele botou a arma na boca. Vi quando ele puxou o gatilho. Vi quando ele caiu pra trás. E não vi mais nada. Só me lembro de ter pensado que fui eu que inventei de seguir a mulher. E não vi nem a cara da Valquíria.
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Um comentário:
Gosto muito de texto assim: obsessivo, perturbado(r).
Já até imaginei uma cena desse conto, num único foco.
colin
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