terça-feira, 8 de abril de 2008

25 CENTAVOS

Remexendo em velhos papéis guardados achei este conto de 1991. na época se chamava vinte e cinco cruzeiros, então atualizei. Aí vai.

O carinha vadiava pela noite chutando as pedras soltas que encontrava na rua. Muito na sua. Vagando pelas calçadas e meios-fios, falando sozinho. Às vezes até cantava bem alto, quase berrando, uns pedaços de músicas que lembrava. Lucy in the sky with diamonds, Lucy in the sky with diamonds... Ria. Imitava John Lennon. Imitava James Dean, James Bond, James Cagney, Jesse James e ria. Lucy in tthe sky with diamonds... Enfiou a mão no bolso e sentiu a pequena moeda sextavada. Pequena merda metálica socada no fundo do bolso direito do jeans surrado. Catou a dita cuja. Vinte e cinco centavos. Não chegava a trinta dinheiros, pensou. O que se pode fazer com vinte e cinco centavos?, perguntou pro primeiro poste de luz. Não dá pra nada, disse o poste. Dá pra tudo. Posso ficar famoso com meus vinte e cinco centavos... O poste riu sonoramente. Tá duvidando? Aceitou o desafio. Let it be... let it be... Entrou no primeiro bar e comprou uma caixa de fósforos beija-flor da companhia fiat lux tendo em média 40 palitos. Lucy in the sky with diamonds... Tocou fogo na mansão de um figurão do governo collorido, que por sorte ou azar estava metido no golpe da previdência. Com paciência, esperou a polícia sentado no cordão da calçada na frente do portão. Demorou de montão pra ouvir as sirenes. A casa estava praticamente destruída pelas chamas quando chegou bombeiro e camburão. Gritaria, sopapo, afobação. Logo depois pintou jornal, rádio e televisão. Pousou pras fotos com o nariz quebrado batendo um samba de breque na caixinha vazia. Deu entrevista pro SBT, pra Manchete e pra Globo assumindo a autoria. No outro dia bem de manhãzinha estaria com a latinha estampada em tudo quanto é jornal e canal de tv. Pra disfarçar a loucura e dar toque político pro assunto, já que o troço ia sair no horário nobre em rede nacional, leu diante das câmeras um manifesto dizendo que aquilo era um protesto contra discriminação racial, a matança no pantanal e a repressão sexual que sofreu desde menino. Que pepino: por ironia do destino, pegou vinte e cinco anos de retiro na Ilha Grande. Tirou de letra, com estilo e pensamento positivo na melhor tradição seishonoiê: Ainda bem que no meu bolso não tinha mais do que vinte e cinco centavos.

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