domingo, 21 de setembro de 2008

DEPÓSITO DE TEATRO FECHA SUAS PORTAS

Como ja deve ser do conhecimento de muita gente o Depósito de Teatro, justamente no ano em que completaria dez anos de atuação e luta renhida pela sua permanência, encerra suas atividades e fecha as portas da sua sede na Rua Câncio Gomes. Com o emblema de "10 anos de resistência e prazer", o grupo investiu todas suas fichas na manutenção de uma sede e na produção de uma obra artística inegavelmente de altíssima qualidade para os padrões locais. Injetou energia, sangue, suor e lágrimas; inventou e reinventou propostas teatrais, intervenções em diversos espaços, performances; atuou efetiva e dignamente na formação de platéia e de novos atores; tendo recebido por tudo isso o seguinte comentário do jornalista e ex-vice-governador do Estado, Antonio Hohlfeldt: “Pode-se dizer que, hoje em dia, o Depósito de Teatro (...) tornou-se o palco mais significativo de nossa atual cena teatral”.*
Algumas idéias e ações foram pensadas para denunciar à opinião pública os porquês de tão repentina decisão. A simples razão do silêncio é que o grupo teme represálias. Imaginem um grupo de artistas se cala porque teme represálias do poder público. É quase pior do que a censura.
Em que pese este temor, vários são os acontecimentos que podem ser apontados como causadores da dissolução do grupo e entrega dos prédios aos seus proprietários. Sim, o Depósito de Teatro era inquilino. Não era o proprietário nem do espaço da Benjanim, tampouco do da Câncio. Pode-se começar citando a audácia e pretensão do grupo em vislumbrar a criação de um centro multicultural numa região da cidade absolutamente carente de recursos e horizontes, formada, principalmente, por papeleiros e sub-empregados em geral, na sua maioria com baixíssimo nível de instrução escolar ou analfabetos; sem nenhuma possibilidade de acesso e expressão cultural; uma zona insegura, empobrecida e decadente da cidade. Contrariando todas as regras de mercado e previsões marketeiras, o grupo trocou a Av. Benjamin Constant por um novo endereço onde impera o descaso e o abandono, tanto do poder público quanto dos empresários reclamões da área.
É obvio que os integrantes do Depósito sabiam onde estavam se metendo. A praça da vergonha (não entendo como nenhum ecologista reclamou do que fizeram com a praça. Onde está a Agapan?) e seus arredores são focos de miséria, exploração sexual infantil e juvenil, “bocas” de tráfico, gangues de meninos de rua e grupos de moradores de rua, além de uma máfia de pequenos contraventores. É certo que eles escolheram aquele endereço porque acreditavam piamente que o teatro poderia provocar uma sensível diferença naquele lugar. "Estabelecer ali um foco de luz", com definiu a atriz Sandra Possani.
Outros pontos que devem ser apresentados como determinantes neste ato de pendurar as luvas e abandonar o ringue, dizem respeito justamente a dinâmica e o comportamento dos membros da Associação Cultural, que manteve, ao longo destes dez anos, uma atitude bastante relapsa em relação a questões de crucial importância na gerência de um empreendimento cultural. Inaptidão administrartiva; despaixão pela contabilidade; a insuportabilidade do peso asfixiante da burocracia imposta à cultura; inedaquação para gerenciar um empredimento cultural; comportamento relapso diante de questões chave na administração de uma empresa do setor cultural (que é o que somos obrigados a ser); comportamento relapso e pusilânime em relação ao gerenciamento cotidiano e profissional do grupo e do espaço.
Mas, a frente de todos estes motivos, dois se destacaram e decretaram a impossibilidade total de continuidade. Dois principais motivos minaram até a raiz mais profunda a resistência, o prazer e a crença na luta cultural que o grupo sempre manteve: a atitude injusta, arbitrária, imoral e autoritária da Funarte que à revelia de todas as provas apresentadas e desconhecendo o excelente histórico do grupo, penalizou a Associação não só, a devolver a quantia de trinta e quatro mil reais (mais ou menos o mesmo valor de que foram vítima comprovada pela justiça de um roubo praticado por sua produtora), e além disso simplesmente diz que o grupo perdeu o direito a outros 180 mil reais a que a Associação fez jus licitamente em dois outros editais promulgados e definidos pela referida entidade. Mas, sobre isso quero falar mais extensamente outro dia. Hoje quero tratar do outro motivo: a Prefeitura de Porto Alegre, administração José Fogaça.
Artista, intelectual, homem de visão, democrata, ora num partido, ora noutro, José Fogaça recebeu solenemente a diretoria da Associação em seu gabinete de audiências da Prefeitura. Na ocasião o grupo lhe apresentou o Projeto Entorno Solidário, que resumidamente propõe uma série de ações artístico-culturais-profissionalizantes no entorno da sede, em troca de uma verba que seria investida na manutenção do grupo e do espaço. O próprio grupo se encarregou de indicar ao prefeito a fonte desta despesa: o PIEC - PROGRAMA INTEGRADO ENTRADA DA CIDADE, que prevê em seus estatutos que sejam apoiadas financeiramente idéias e projetos de natureza cultural. O dinheiro existe e vem do Banco Mundial. Ou seja não sai um centavo dos cofres municipais e a cidade ainda ganha um centro cultural descentralizado cuja proposta é encarar o "trabalho sujo" que vem sendo feito justamente por ONGs e outros artistas kamikases. Era o negócio da China. O prefeito ficou encantado com o projeto. Ordenou imediatamente que seus assessores tomassem todas as providências cabíveis. Resultado: passados quase um ano e oito meses o projeto continua(?) tramitando pela Prefeitura. Passados uma ano e oito meses o grupo vinha sendo suavemente enrolado pela amabilidade e simpatia da Secretaria Municipal da Cultura que tentava débil e suavemente pressionar a liberação da verba.
Falta de visão do Fogaça? Ele estava mentindo e enganando descaradamente o grupo? Ou foi preguiça e falta de visão dos seus comandados? O dinheiro foi usado para outra coisa? Como vão prestar contas da parte do dinheiro que deveria ser aplicado em projetos da área cultural? Incógnitas não explicadas.
O resultado é que por BURRICE, DESCASO ou MÁ GESTÃO DE VERBA, a cidade de Porto Alegre perdeu a oportunidade de implantar um projeto que poderia ser piloto na área cultural, além de perder um espaço cultural maravilhoso numa área de risco.
O GRUPO DEPÓSITO DE TEATRO, privado da comemoração de décimo ano de intensas e memoráveis realizações, perde sua base, sua casa, sua cara, sua referência, seu centro de operações, perdeu o tesão, perdeu o rumo, o sentido de existir, perdeu totalmente a confiança neste neste governo de realizações medíocres, que tratou com medidas paliativas (algumas muito boas, mas paliativas) questões tão importantes quanto a manutenção dos espaços culturais sob administração de grupos de teatro e da sobrevivência dos próprios grupos.
Tendo em vista que o município não dá conta de construir ou instalar e administrar novos espaços culturais em regiões descentralizadas da cidade, e, aliás, nem no centro (o Centro Municipal de Cultura foi construído no final dos anos 70), é um absurdo irracional permitir a extinção de um grupo de teatro, é uma insanidade cultural perder a parceria de um grupo de teatro para cumprir uma missão que, no mínimo, é também da Prefeitura. Reflexo de como as coisas relacionadas a cultura são tratadas em nosso estado. Orgulho de ser gaúcho? Como assim? E na Cultura, não vai nada?
Modesto Fortuna
LEIA NO PRÓXIMO NÚMERO = OUTROS CAUSADORES DA MORTE DO DEPÓSITO DE TEATRO.
*Jornal do Comércio RS, 05 de agosto de 2005.
Foto: Kiran
Aparecem na foto: Os Três Patetas (Maria Falkembach, Sandra Possani, Roberto Oliveira) e José Fogaça.

Um comentário:

Rodrigo Monteiro disse...

o que fez o depósito de teatro nos seus 10 anos, ou pelo menos o que vi, não é bom para os padrões locais.

era bom pra tudo quanto é padrão.

não lembro nunca de ter assistido alguma coisa do depósito sem que eu tenha saído com a alma cheia, os olhos coloridos e a certeza de que tinha visto um grande teatro.