Posso dizer que acompanho o trabalho do Décio Antunes, que eu me lembre, desde sua encenação de "A Serpente" (de Nelson Rodrigues) que assisti no Teatro de Câmara há muitos anos atrás. Na realidade, eu e o Décio fomos colegas de DAD, lá pelos idos de 1974, 75, 76. Os dois bastante calados, reservados (mais o Décio, do que eu), mesmo assim conseguimos construir uma relação de amizade e coleguismo que se estende até o presente momento.Relembrando agora de "A Serpente", penso que já naquele antigo trabalho (talvez um dos primeiros que ele dirigiu), o Décio colocava em cena uma ousadia cenográfica, um cenário de forte impacto que dita a concepção do espetáculo. Agora, acabo de ver uma das suas últimas realizações, o deslumbrante "Mulheres Insones". Desta vez, Décio junta um cenário forte com uma coreógrafa calejada que representa o que há de melhor na dança no Brasil e no mundo. Félix Bressan (o mesmo cenógrafo da Trilogia Perversa) parece que acertou desta vez ao assinar um cenário em conjunto com os diretores. Com certeza é seu cenário que mais se integra ao espetáculo e não fica roubando foco, disputando com o espetáculo. Desta vez, Décio estava melhor assessorado do que nunca. Daniel Lion é, ao lado de Coca Serpa, nosso mais importante figurinista. André Birk é medalhão da sonoplastia. Flávio Oliveira não tem mais, em sua casa, onde colocar tantos Açorianos recebidos por suas trilhas sonoras. A Carlota, então, nem se fala. Como diz pomposamente Caco Coelho: "Carlota Albuquerque é nossa Imperatriz da Dança com D maiúsculo." Essa também, eu posso dizer que acompanho de perto. Me odeio por não ter visto Lautrec, mas o resto vi tudo. Não perco. É pura aula de direção.Lamentei não ver minha amiga Naiara Harry em cena. Fiquei esperando sua entrada durante um bom tempo, até que me convenci que ela não entraria mais. Foi substituída. Pena. Mas, em compensação, estava no elenco uma das minhas bailarinas preferida: Angela Spiazzi. (as outras são: Tânia Baumann e Luciane Coccaro). Belíssima, exata, perfeita. Uma maravilha para os sentidos ver a Angela dançando. Aliás, o elenco da peça é muito bom. Muito coeso e cheio de energia. A pequeninha Didi é excelente bailarina. Ja a vi num espetáculo da Jussara Miranda. Tem presença. Mas carece, como também acontece com Joana do Amaral, de diminuir a representação e a falsa dramaticidade do corpo e do olhar quando imaginam que estão representando um personagem ou uma situação. Gabriela Greco, como não podia deixar de ser, é a melhor atriz e nada deixa a desejar corporalmente. Um corpo bonito que se movimenta plástica e dramaticamente de forma correta. Correta é pouco. Melhor seria dizer: consciente, concentrada. Me agrada sempre ver a beleza e a graça de Gabriela Peixoto que aparece na medida certa. Carismática, sentindo prazer de estar cena, acreditando sempre naquilo que está fazendo. Não exagera dramaticamente e funciona o tempo inteiro. Feliz do Décio que está trabalhando com este elenco disciplinado e brilhante. A peça é o melhor trabalho que ja vi do Décio, é sensível, dramática e tem uma personalidade própria. Que maravilha ir ao teatro e ver um espetáculo assim. Mas, pra não ficar somente em elogios, que são absolutamente sinceros, vão aqui também alguma críticas. Achei que faltou dramaturgia. Achei que a dramaturgia fica agarrada a poucos temas rodrigueanos e não arrisca. A coreografia arrisca e a dramaturgia não arrisca. Senti falta de texto. Acho que o espetáculo ganharia se fosse colocado mais próximo do espectador. Acho que as bailarinas deveriam estar mais preparadas pra colocar a dramaticidade e o teatro de Nelson Rodrigues em cena. Acho que a coreografia da Carlota se sobrepõem ao espetáculo, como o cenário de Félix Bressan se sobrepunha em As Núpcias de Teadora. E, finalmente, acho que o espetáculo, apesar delas rolarem na areia, fica num meio termo, num bom mocismo que não se coaduna com a profundeza das águas onde nadam as personagens mulheres de Nelson Rodrigues.
M.F.
M.F.
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