sábado, 16 de maio de 2009

PENÉLOPE BLOOM PARA POUCOS

Muito difícil, dificílimo, comentar peça de ex-mulher. Se digo que não gostei disso ou daquilo, será por causa de mágoas do passado ou do presente. Se falo bem, é pra disfarçar os mesmos ressentimentos. Mas, no meu rápido cursinho de crítica teatral, Dona Bárbara ensinou que o crítico deve presar, acima de tudo a isenção. Então, o fato é que achei o espetáculo bonito e bem acabado, mas não gostei da peça. Depois de meia hora sem acontecer nada, foi um martírio esperar os 45 minutos restantes para o final do espetáculo, não só por se tratar de um espetáculo "difícil", mas principalmente por causa de sua verborragia e ausência de alterações de ritmo. A longa queixa e divagação da Sra. Bloom começam e terminam praticamente inalteradas. Além disso, pude presenciar um choque entre dois tipos de teatro diferentes: a brasileira, Maria Falkembach, mostrando um teatro moderno, físico, com partituras vocais e corporais, dando seguimento a sua pesquisa na interface da dança e do teatro, enquanto que a atriz costa-riquenha, Vicky Monteiro, em que pese seu esforço aparente para fisicalisar algumas ações, permanece o que chamamos de "atriz de texto", o que provavelmente está mais vinculado a sua larga vivência teatral naquele país. Enquanto esta última mantém durante todo o tempo uma sólida quarta parede, a primeira rompe esta convenção por diversas vezes. O embate destas duas correntes teatrais, que poderia ser benéfico, na realidade da cena não favorece o espetáculo. Vicky demonstra claramente suas qualidades vocais e expressivas e Maria Falkembach, que ja tive oportunidade de dirigir em diversas ocasiões, mostra maturidade em cena. Pena que seja colocada na condição de coadjuvante, de uma espécie de espelho da verdadeira Molly Bloom, que seria vivida por Vicky Monteiro.
A peça se baseia na última parte do livro "ULISSES" de James Joyce, que é quando o Sr. Bloom deita e dorme e sua esposa, Molly, desperta e recapitula o dia e parte de sua vida, num fluxo psíquico entre lúcida e ilúcida. Não li o livro de Joyce, mas sei que ele tem fama de literatura "difícil" que beira o incompreensível e dedicado ao entendimento apenas para eruditos. Sendo que segundo alguns críticos, a tradução da edição brasileira, realizada por Antonio Houaisss, complica ainda mais o entendimento. Tudo isso empresta ao livro um pouco da síndrome de "roupa nova do rei", a qual se faz presente por extensão, também na peça em questão.
A iluminação, de Mirco Zanini, talvez por opção, talvez devido aos poucos recursos da sala, é apenas protocolar. O cenário de Rudinei Morales, é discreto, bem acabado e se coaduna com as necessidades do espetáculo. Poderia ter mais "viagem", um pouco mais de arte e refinamento. A trilha sonora de Leandro Maia é precisa, discreta e presente salientando momentos e propondo climas. O figurino feito à seis mãos, por Liane Venturella, Sandra Possani e Chico Macalão, em que pese a breguice do penhoir ser igual a colcha, é de muito bom gosto e acrescenta beleza e plasticidade ao movimento das atrizes que tiram e colocam roupas o tempo inteiro.
A direção de Gerardo Bejarano é limpíssima e, ao meu ver, comete os seguintes pecados: não se define quanto ao estilo de interpretação, permite que o ritmo do espetáculo se mantenha o mesmo durante praticamente toda a peça; e, finalmente, privilegia a verborragia em detrimento da proposta físico-corporal. Cria um espetáculo sem muitas nuanças e não ilumina a difícil obra em que se baseia, mantendo-a elitizada e acessível somente para poucos entendidos.
M.F.

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